Com a reclusão e a espera do desconhecido das últimas semanas, assumi a responsabilidade de preencher meus dias com muitas atividades: escrever no papel, onde descarrego angústias; pedalar para suar e extravasar a pressa que tenho para tudo; usar as receitas mais demoradas das comidas que mais gosto para não voltar a fumar, fazer um pouco de cada coisa que gosto para me divertir e deixar a alma voar um pouco por aí (happy hour, memes nas redes, violão, máquina de costura, zap zap zap, consertar torneira, dar um up na bike, fazer comida pros vizinhos). Essas coisas todas salvam a gente nos momentos de crise. Coisinhas da vida em seu estado natural de existência. Salvam a mim. E hoje, não fosse por elas, estaria encolhida debaixo do lençol sem filme, sem linha, sem música, sem escrever 😌. Sonhei com o Thiony noite passada. E acordei com um rasgo no peito e a alma derretida. A saudade acumulada desses 4 anos desde que ele partiu e o tapa na cara que é a impotência e a miudeza da gente diante da infinitude do mundo me derrubaram. Se eu não tivesse assumido o compromisso de fazer uma feijoada para meus amigos da vizinhança, a dor do peito estaria aqui corroendo. Mas eu tive que sair da cama. Tinha um compromisso. E eu levantei, lavei as mãos ( enquanto cantava “ô ô ô verdadeiro amor, ô ô ô você vai onde eu vou” 2x, que dá 20 segundos), deixei as ramelas nos olhos de medo do corona vírus “não ponha a mão nos olhos!!), dei um bom dia pro meu cachorro magrelo, molhei a ração dele com a gordura das carnes da feijoada que já estava adiantada desde ontem, passei café, levei o lixo, sorteei uma página do livro da Patti Smith e li “Catherine preparou o almoço para nós e o chá cor de violeta, um remédio para minha tosse crônica”. Já estava, neste momento, com o rasgo do peito alinhavado. Comecei a lidar com a comida. O acabamento da feijoada é como o acabamento de construção civil- exige cuidado e carinho. Quando terminei, já estava ouvindo outra música da Zélia Duncan e não aquela com a qual comecei o dia. Tô o dia inteiro pensando no meu amigo, mas agora leve como foi nossa história.
Rotina e saudade
