Amar é se dispor

Amar é se dispor

Quando o pequeno Francisco nasceu- um pacotinho de ossos envolto em pele semi transparente, precisou ir direto à uti como acontece normalmente à crianças prematuras de 31 semanas. Sem me sentir pronta, vivi dias, depois meses e depois anos, acreditando que as oito semanas de antecipação do seu nascimento serviriam para eu amadurecer como mãe se ele tivesse se mantido dentro do meu ventre. Pessoas têm dessas coisas. Criam ficções sobre as próprias vidas e as usam como roteiro para angústias, desilusões e mesmo decepções sobre expectativas infundadas, fruto da imaginação. Passados quatorze anos do nascimento- hoje é seu aniversário, não há versos, nem músicas ou filmes ou fotos que possam traduzir a minha transformação ao longo destes quatorze anos. Nem a dele- não é correta a ousadia de tentar traduzir a essência de outra pessoa a partir do nosso olhar limitado por nossas paixões por ela. O filho vai crescendo e, à medida que se intera com o mundo vai nos deixando- mães- com tempo livre para vê-lo viver. Participamos menos, assistimos mais. E nos sobra tempo para outras coisas, como por exemplo criarmos ficções e roteiros para eles. Mas hoje, ao acordar me dando conta destes quatorze anos, me perguntei “e, aí, dona Laura? Algum balanço?” E a primeira coisa que me veio à cabeça foram as coisas de pele e de olhar. Fazer carinho, cheirar cabelo, cortar unhas, inspecionar orelhas, abraço apertado, colo. Todas as coisas que não requerem uma palavra sequer. O meu balanço é que ao longo destes anos a coisa mais profunda que vivi foi a conexão com um ser humano sem usar palavras. Quando isto acontece, parece que a gente aprende a medida do respeito, dos limites do outro. Vai se se acostumando a observar tudo que diz respeito às ficções do outro, aprendendo a se deleitar com as conquistas do outro, e sabe até que ponto é possível usar de licença poética e dramática para conseguir invadir o espaço do outro sem que ele se sinta invadido. Esta conexão silenciosa é meu aprendizado de mãe. Que o amor é pura alma e poesia, mas amar é se dispor a aprender que nem sempre a poesia de um agrada a alma do outro.