Sonhei, esta noite, com bala de coco. Não uma bala de coco qualquer. Sonhei com as que vêm embaladas em papéis de seda coloridos-aqueles papéis com ráfias- e que, organizadas em torres, se transformavam numa alegoria que em dia de aniversário roubavam o protagonismo do bolo na mesa dos parabéns. Nos últimos dias estas balas me acompanharam em pensamento, me inundaram de memórias e fantasias. Passeei pelas ruas da minha terra natal, com meus oito ou nove anos de idade, sentada no banco de passageiros do carro da minha tia Edina, indo buscar a encomenda de balas para o aniversário da minha priminha. Enquanto vagava por estas memórias, me dei conta que aquela priminha tão pequenininha hoje é madrinha do meu filho, mas também é minha afilhada porque me escolheu madrinha de crisma. Acumulamos funções em nossas relações, como costuma ser quando nos tornamos amigos de nossos familiares. Tive esta sorte na vida. A sorte de me tornar amiga de alguns familiares com os quais tenho alguma espécie de sonho ou expectativa ou perspectiva em comum. Com meu pai vivi isto, com algumas tias, algumas primas. Estas relações de amizade têm um quê de especiais. Porque estes amigos familiares não só conhecem coisas do nosso passado como também viveram algumas experiências familiares com a gente- conflitos, ancestralidades, memórias que outros nos passaram, mortes, nascimentos. Temos histórias entrecruzadas pelas relações que não escolhemos e, ao mesmo tempo, memórias e sonhos só nossos- causa e consequência das afinidades que nos tornaram amigos além e apesar de todas as relações familiares. Vimos as mesmas torres de bala de coco colorindo mesas de aniversário. Mas a amizade vai além destes momentos de comemoração e hoje acordei sentindo saudade da companhia destas amizades familiares. De todas elas, juntas ou separadas, com ou sem bala de coco, mas com café e prosa. Das coisas boas que a vida nos reserva.
Das coisas que a vida nos reserva
