Gotas paradas no ar

Gotas paradas no ar

Fotografei a chuva e por um instante- breve mas intenso, me imaginei em suspensão como as gotas congeladas pela foto. Costumamos nos julgar suspensos e flutuando quando estamos alegres demais ou apaixonados. Mas já parou para pensar quantas vezes -ou por quanto tempo você já esteve suspenso na vida, flutuando na correnteza da rotina sem tomar decisões, deixando as coisas simplesmente aconteceram ? São aqueles momentos em que nos damos conta que estamos cansados demais ou distantes demais de nós mesmos. Uma roupa que não serve mais, a caixa de som que está quebrada e nem sabemos há quanto tempo, a torta de palmito que não fazemos há meses. Se gostamos de comer nossa própria torta de palmito, porque deixamos de fazê-la? Sinto admiração pelas pessoas que conseguem preservar suas rotinas e usufruir das pequenas coisas que as fazem ser quem são, mesmo em momentos vulneráveis e delicados. Certamente por ter tanta dificuldade em ser assim as admiro tanto. Cansei tanto nos últimos seis meses, que me desconectei daquelas coisas que me fazem ser quem sou. Uma desconexão longa, da qual me dei conta enquanto empacotava minhas coisas para mudar de cidade. Não consegui parar e botar os pés no chão naquele momento porque não sou como as pessoas centradas que admiro. Depois de dois piripaques, um da alma e outro do corpo, me enfiei num spa, no meio do mato, para conseguir me reestabelecer como eu mesma. Daqui não tenho como arrumar casa, consertar torneiras, fazer reuniões, organizar aulas, lavar roupas, cozinhar, comprar uniforme, organizar material escolar, ensinar meu filho a andar pela cidade grande, aceitar que meu filho vai andar sozinho pela cidade grande, dar manutenção nas bikes, organizar e imprimir as apostilas da mentoria e das aulas, planejar coisas que não vou fazer com os amigos, me sentir culpada porque vacinei a segunda dose faz 3 meses e não fui ver minha mãe. Aqui, onde dá pra ver as gotas paradas no ar, consigo arrumar as coisas que são de dentro de mim e que só eu sei delas. Me apronto para dar conta de tudo, atenta ao tempo de cada coisa, inclusive ao meu.