Todo mês, depois do meu período de TPM, baixa em mim o Espírito do Riso. Mas não é um riso qualquer. é um riso de lembranças que, quase sempre, não consigo segurar no silêncio do pensamento e libero em gargalhadas.
Mas faço um parêntesis porque já no começo da pesquisa fiz a incrível descoberta de que não posso negar “a Unção de alegria do Espírito Santo, que tem ocorrido em algumas igrejas sob a manifestação do espírito santo de uma forma alegre, com risadas fortíssimas e com grandes gargalhadas, muitas vezes com pessoas caindo no chão no Poder do Espírito Santo”.(podem procurar no google!!).
Tudo bem, mais um motivo pra rir, mas vamos respeitar as divindades do riso. Porque aqui comigo estão meus risos e a inspiração vem de outros lugares menos santos. São as lembranças de momentos que vivi e que, ao ter tido o privilégio de partilhar minha vida com o Gandhi (Caetano da Silva para os íntimos), presencio com mais intensidade que outras pessoas.
A inspiração do riso já entrou na minha vida quando nasci filha do meu pai. Quem leu alguns posts anteriores vai entender. Meu pai ri muito e nos dá incontáveis oportunidades de rir dele. E eu também compartilho desta característica de gostar de rir e dar motivos ridículos para rirem de mim. Só que no convívio com o Gandhi sinto como se, com o passar dos anos, eu venha perdendo meu poder de inspirar riso espontâneo nas pessoas, ao mesmo tempo em que isto foi se fortalecendo no Gandhi, embora ele ria menos e faça rir mais (e o pouco riso dele colabora com o rir mais meu!!)
É uma dádiva conviver com alguém assim. Porque tirando a minha ira nos momentos cotidianos em que os desligamentos não deveriam acontecer, temos todos os outros para rir, para nos unirmos pelo poder do Espírito Santo da Alegria
O nome deste poder é desligamento, desatenção, auto-estima indestrutível. É o que causa riso em mim, principalmente depois que dou tchau pra TPM e substituo o mau humor por observações/lembranças sagazes da realidade inacreditável em que vivem os desligados.
Logo que conheci o Gandhi, e assim que começamos a namorar, ele- com sua infalível determinação em estar próximo daqueles que ama- resolveu arranjar um bike pra poder andar comigo de um lado pro outro da cidade. Lá no primeiro mês de biker dele, num domingo a noite, estávamos descendo a avenida São Carlos debaixo de uma chuvinha rala, eu bem mais na frente. O sinal ficou vermelho e o único ônibus (que estava a uns trinta metros à nossa frente) parou no ponto, que ficava bem na altura do sinal. Vi e fui freando até que cheguei na rabeira do busão. Pus o pé no chão, parada e comecei a ouvir um schichichisschischischishcxxxxxxxxxxxxxxiiiiiiii. Nem tive tempo de virar pra trás pra olhar quando passam, pelo meu lado, o Gandhi e a bicicleta, voando, derrapando meio de lado, até que conseguiram parar lá na frente, depois da faixa de pedestres.
Gritei pra ele: Gandhi!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! cê tá louco??!!!!(achei uma maneira meio estranha de querer fazer bonito pra mim….). e ele: “Não, mozão… eu não tinha visto que vocês tinham parado!!!!!!”
Meu!!!!! Não precisa de comentários, né? O coitado com os óculos molhados e embaçados ao mesmo tempo, com o cabelo pra cima como aqueles de bonecas mal tratadas pelos irmãos mais velhos de suas donas. Tinha pingo de lama até na testa!!!!! Comecei a rir com ele naquele dia e nunca mais parei!
A teoria da auto-estima dos desligados se aplica neste caso. Porque nunca, jamais vou saber se ele não brecou porque queria fazer graça e derrapar em cima da hora, um típico erro de conduta; ou se ele falhou no tempo de frenagem, e que jamais assumiria porque caracterizaria um erro de cálculo. No fim das contas deu certo porque me agradou com o riso, duplamente, afinal, sem a certeza, tenho o erro de cálculo e o erro de conduta pra poder rir: o resultado foi que ele passou do ponto- literalmente!- e me conquistou.
E é isso que os super desligados fazem!! Eles estão sempre passando do ponto. Não é esquecer o celular, o fogão aceso, o nome do vizinho, a roupa lavada dentro da máquina de lavar, errar o dia do vôo. Isto faço eu, a Carolina, o Zé Flávio, minha mãe.
Um desligado que passa do ponto é aquele que completa as circunstâncias com uma fala triunfal!!
Teve uma vez, aqui na cozinha de casa, que eu e minha mãe presenciamos uma conversa absolutamente inacreditável entre o Gandhi e o meu pai- dois ícones, duas estrelas do desligamento auto-estima super pop!!
O Gandhi foi chamado pra uma entrevista de emprego. Nem queria ir porque ele adorava o emprego e o trabalho dele, onde estava na época. Mas a proposta era tão boa que resolveu ir pra se certificar de que o santo tinha um pau oco. Precisou usar uma folga, à qual tinha direito, para ir até o Rio. Só que no dia anterior à viagem descobriu que o gerente dele também iria para o Rio pela manhã e, estando em Vitória, o risco de encontrarem-se no vôo era altíssimo.
Como o Gandhi não sabe mentir quando perguntamos uma coisa direta pra ele, eu e minha mãe criamos uma trama e o treinamos com a seguinte história, caso encontrasse o tal gerente: “Estou indo para o Rio de Janeiro resolver uns papéis de herança de família”.
Ficamos eu e minha mãe perguntando pra ele, de tempos em tempos, o que ele estava indo fazer no Rio. E ele sempre respondia “fazer uma entrevista”. Até que lá pela décima vez, depois de tanto tomar pito, ele respondeu certo.
O meu pai, vendo aquilo tudo, sem entender o que acontecia- MESMO DEPOIS DE PARTICIPAR DE TODA A TRAMA DESDE O INÍCIO- esperou o Gandhi entrar no banho e veio perguntar para nós duas porque estávamos brigando tanto com o coitado do Gandhi (coitado é um adjetivo que as pessoas que não convivem com desligados costumam usar para caracterizá-los). Nós duas, calmamente, explicamos TUDO DE NOVO pro meu pai. Entendendo tudo ele riu e garantiu que iria participar ativamente do treinamento da mentira. Assim que o Gandhi saiu do banho meu pai veio até ele e perguntou: Ô Gandhi, o que você vai fazer no rio amanhã mesmo? Ao que o Gandhi respondeu prontamente Fazer uma entrevista de trabalho, seu Pedro.
Eu e minha mãe assistindo tudo de camarote, querendo MATAR o Gandhi. Aí meu pai saiu da cozinha e o Gandhi veio até nós duas e disse: Por que vocês duas contaram pra ele que eu vou fazer entrevista no Rio??. Nós duas, putas da vida, saímos da cozinha e fomos pra sala assistir TV. Aí meu pai chegou bem pertinho de nós duas e disse baixinho: Ô lôco, vocês duas!!! Ficam aí nessa falação!! O Gandhi não tá indo pro Rio mexer com herança, ele está indo trabalhar!!!
Copiou meu nobre leitor??? É assim que funciona a inspiração pro riso. E o riso une as pessoas, exatamente como me uniu à minha mãe naquele momento. Nenhum erro de conduta, erro total de cálculo!
Mas não é preciso de um grande evento para conviver com as participações over do desligamento do Gandhi na minha vida.
Certa vez, indo pro casamento de um casal de amigos em Marília, depois de doze horas de estrada- nós dois superhíper cansados e com sono- resolvi abrir os vidros (tava frio) para tomar um vento e acordar. Liguei o som bem alto e começou a tocar Secos & Molhados. “Um velho anda de terno velho assim, assim… quando aparece o Guarda Belo”. Viro pro Gandhi e comento; Mozão, Guarda Belo é o Guarda do desenho do manda Chuva, né?. E ele, todo seguro, me responde: Não, o do manda chuva é o guarda Chuva“.
Ah!! Foi de caso pensado? Será que ele falou isto apenas para me manter rindo e acordada? Um erro de conduta para um acerto de cálculo!! É assim que funciona, o riso nos salvou do sono.
Nas últimas férias, no Vale do Ribeira, eu, o Gandhi e o Francisco estávamos prontos para sair prum passeio no final da tarde e eu perguntei a ele (Gandhi) se ele tinha passado repelente (eu e o Francisco já estávamos devidamente prevenidos contra os mosquitos). Ah! Esqueci, disse o Gandhi. Onde tá?. Falei que era um OFF que estava na pia do banheiro. Dali a pouco começo a sentir um cheiro de veneno e o Francisco começa a gritar, em meio às gargalhadas doces de criança: Mãe!!!!! hahaha Olhe meu pai!!!!!! hahaha Ele tá passando veneno na perna!!!!!!!!!!!!!!!!!!!hahahahaha.
Esquecendo da indicação de que o repelente estava no banheiro, ou com preguiça de ir até lá porque vira um spray de OFF sobre o criado mudo, o Gandhi estava besuntando-se do veneno contra mosquitos.
Um erro de cálculo, um erro de conduta, mas um acerto na união!! Agora o Francisco também vai poder ter um livro de memórias de riso, caso queria algum dia. Eu serei colaboradora…
Ter um desligado por perto é quase uma bênção. eu garanto.
Para quem mais se irrita do que ri, vale a pena rever.
O riso aproxima as pessoas. E muito. Posso dizer, sem dúvidas, que as lembranças mais fortes que tenho comigo, seja de ontem ou de um passado mais remoto, são lembranças de risos. As lembranças de coisas divertidas rearranjam-se na minha memória e mantém-se sempre vivas, me permitindo rir sempre, mesmo em dias de monotonia, como o de hoje.
Inúmeras vezes, este desligado com quem convivo há anos, desce do õnibus, vem andando até em casa pensando no momento de encontrar comigo e com o Francisco. Provavelmente entra no elevador já em estado avançado de alegria por estar em casa em nossa companhia. Aí, lá pelas seis da tarde ele abre a porta de sopetão, faz uns olhos bem grandes e diz: BOM DIA meus amores!!!!!!
Ahhh…. não riam….. Pra um desligado não existe bom dia, boa tarde ou boa noite quando o assunto é compartilhar momentos bons. E o Gandhi é um desligado. Ele só se lembra que saiu muito cedo e não disse bom dia. De repente, é uma estratégia para que o curto período da noite que passamos juntos se estique e ele possa dizer bom dia quando chega, boa tarde na hora da janta e depois boa noite, apenas na hora de dormir.
Um erro de cálculo? Não sei. Mas um acerto de conduta!!