Combustível

Combustível

Nada é mais atemporal que o presente. É no agora que reside o ínfimo e o infinito. É no agora que divagamos entre memórias e sonhos. Na última conversa que tive com meu pai antes de ele morrer, falávamos sobre o infinitésimo e o infinito, sobre como deus e o inexplicável residem naquilo que não conseguimos conceber – o nada e o tudo, a dor e a plenitude. O presente, este no qual fazemos valer tudo o que somos- nossas decisões e fracassos, nossas conquistas mais desejadas- este presente não transcende. Ele é. O presente é o verbo. Todo o resto é abstração. E agora, aterrissando em São Paulo numa noite fria e tão brilhante, olhei de cima parte das luzes em contraste com o breu e pensei “quantos, nesta loucura de cidade, sonham? Quantos desistiram da beleza da vida? O que resta a quem não crê ou não sonha ou nada quer? Naquela última conversa com meu pai- enquanto falávamos das abstrações, me lembro de contar que eu tinha a sensação de nunca ter tomado uma decisão na vida. Sentia como se eu tivesse sido sempre isenta de planos e sonhos. Matematicamente ele me respondeu “aí é com você, gordinha”. Como nunca acreditei em destino nem na sorte e sempre deixei o acaso me conduzir, aquela frase me tocou. Não sei exatamente descrever os efeitos dela em mim nos cinco anos que decorreram após aquela última conversa. Nunca fomos de trocar conselhos. Mas passei os últimos anos costurando sonhos e planos com delicadeza. Não passei a acreditar em deus, mas comecei a olhar minha vida a partir das decisões que eram minhas e que nunca as havia tomado. Uma colcha de retalhos que, inexplicavelmente, me levou a São Paulo, esta cidade que agora vejo aqui de cima e onde eu queria ter estado desde muito tempo. Não sei responder porquê, mas sei que tudo convergiu neste momento exato de estar aqui, olhando pra esta São Paulo que me mete medos e reanima. Este é meu presente, meu agora. Atemporal, carregado de memórias e sonhos e projetos. E acaba que sinto como se estivesse transcendendo. Eis meu combustível no momento da mudança. Combustível que só entra em combustão no exato momento em que liberamos uma energia para que queime. A alma não só inventa. Ela realiza, é combustível e é a energia que o faz queimar. Não vejo a hora de acender o fogo da minha história e meus amores nesta cidade.