Dois dedos de prosa

Dois dedos de prosa

Esses dias, pensando na dificuldade que tem sido encontrar inspiração trancafiada dentro de casa, me lembrei de quando meu filho nasceu e tive uma quarentena particular e solitária no meu apartamento. Eu morava no mesmo lugar onde moro hoje. A vizinhança era a mesma, a luz que batia na sala era a mesma. O vento, o barulho da rua. Muito pouco do lado de fora mudou de lá pra cá. Aqui do lado de dentro as paredes ganharam cores e quadros, manchas e histórias. Aquele bebê que chorava cinco horas por dia e mamava treze não existe mais. Aquela mãe solitária e assustada não existe mais. Mas estamos eu e ele mais uma vez juntos dentro de casa. A rotina é muito mais divertida e menos cansativa do que quando ele era um bebezinho. Porém, o efeito, em mim, de ver os dias passando lá fora, é o mesmo. E não é um efeito positivo. Me preocupo por ter pouco a oferecer pro meu filho neste momento. Mas sempre conversamos e eu conto e repito pra ele porquê ando meio borocochô. Ver o sol correndo o céu, o vento passar pelo lado de fora da janela, os dias quentes ficarem frios, a claridade durar menos… Saber que um outono inteiro se foi e que logo chega a primavera… E eu estou dentro de casa… Sinto hoje a mesma sensação que sentia naquela época. Não encontro uma maneira minha de amar e partilhar coisas quando sou privada do vento, do lado de fora, do bate papo na esquina. Não posso dizer que estou sofrendo (estou um pouco louca, ok). Tenho feito muitas outras coisas para preencher o vazio destas que me faltam. O que posso dizer é que estou me dando conta, mais uma vez, que o que dá sentido à minha vida, além desse amor que a gente vive no núcleo familiar, é estar com pessoas. Dois dedos de prosa, reclamar do vento forte, falar que vai chover, ajudar o vizinho a colocar a correia na bike, empurrar um carro que pifou, passar falando bom dia pra todas as pessoas que, como eu, batem perna pela rua e conhecem todo mundo no bairro mesmo sem saber seus nomes .