Em tardes como a de hoje

Em tardes como a de hoje

Depois de anos me dedicando quase que exclusivamente às rotinas da maternidade – peitos, fraldas, banhos antitérmicos, poucas horas de sono. Depois lições de casa, caminhadas de ida e vinda da escola, laços no tênis, shampoo e espuma nos cabelos… depois semanas de prova, controle de horários no videogame, animações dubladas, saidas no meio do jantar para atender o “-mããâe! Pronto, pode limpar!”; às vezes, em tardes como a de hoje, paro para passar óleo nesses cabelos enormes e lindos e penso “meu Deus, que delícia esse menino grande”.
Um vento fresco mas minhas costas, ele olhando para a tela do jogo e me pedindo pra não parar com a “coçadinha”.
Para mim as exigências da maternidade quando meu filho era pequeno eram de uma perversidade injusta. Me cansei demais, perdi inspiração, me tornei menos segura, mais impaciente, todos os medos que jamais imaginei sentir se apresentaram numa sequência de filme de terror. Agora, à medida que vejo meu filho crescendo junto com esse cabelo, sinto alívio e alegria. A responsabilidade é a mesma, mas a natureza dos cuidados é outra. Sou mais de conversar do que fazer trenzinho e brincar de esconde, então me sinto à vontade nesse papel de mãe de filho quase adolescente. Meu coração dilata de emoção quando escuto esse menino cantando Belchior e Raimundos na hora do banho. Me irrito quando ele discorda de mim (isso acontece o tempo todo e eu gosto de me irritar com quem discorda de mim😓😓). Eu sinto a alma leve como pluma quando observamos o mesmo detalhe numa cena a caminho da escola. Eu rio sozinha quando ele cai e fica bravo. Eu conto pra ele meus medos. Também conto que odeio as rusgas de rotina mas que elas são necessarias. Me assusto quando ele fala mal de mim pra mim mesma. Às vezes sinto um clima de despedida, quando ele fala dos planos pra vida, mas a vontade de vê-lo voar é maior que o aperto no peito. Me pego pensando no meu futuro sem ele aqui e faço de cabeça as contas dos gastos com passagem aérea 🤭🤭. Olha… essa fase de distanciamento, com laços se apertando, pra mim é a melhor de todas. A gente tomando consciência das transformações pelas quais estamos passando. Não é doce, mas é deliciosamente lindo.