Moro na escrita

Moro na escrita

A vida é constante encruzilhada. Sempre estamos fazendo escolhas sem ter ideia de suas consequências nas nossas vidas. Não há formula que possa abrigar todas as variantes. Além de termos pessoas com as quais convivemos – e nossas ações e decisões ecoam nelas também, nós somos mais de um, temos papéis variados. Por estes papéis, justamente por eles, nossas decisões sempre são complexas. Ainda mais porque insistimos em acreditar que podemos controlar seus desdobramentos. Olho pro meu filho nesta foto, usando uma fantasia mal feita por mim para alguma festa de 31 de outubro. Sempre fiz fantasias para ele. Ele cresceu gostando de se fantasiar porque desde pequenininho se envolvia comigo no emaranhado de idéias de criações para as festas a fantasia. Nunca alugamos nem compramos fantasias prontas. O bom era estar juntos e preparar cada detalhe mal acabado. O resultado sempre era uma fantasia mal feita e duas pessoas alegres e realizadas. Me lembro das vezes em que cruzamos as quadras do bairro a caminho da escola, da natação, do inglês e às vezes só passeando mesmo. Ele travestido em algum personagem que gostava, sua mãozinha fofa apertando a minha e ele me perguntando “mãe, será que as pessoas estão me percebendo?”. Hoje, quando sinto em mim o peso de ter aberto mão da minha vida profissional, de ter deixado passar tantas oportunidades porque eu tive de dar conta sozinha dele nos dias úteis, penso de quanto me dediquei com amor e intensamente a esta função materna. Meu ímpeto profissional estava ali em cada caminhada, em cada fantasia, em cada história que inventei para ele deixar de sentir medo de algo ou para fazer passar alguma tristeza que apertava seu coraçãozinho. Eu não encontrei uma solução para fazer as duas coisas. Me arrepiava a ideia de ter um filho criado por estranhos. Não consegui me dedicar à vida profissional e à maternidade ao mesmo tempo. Ele foi minha prioridade. Só que a relação bem construída que eu e ele temos não substitui minhas perdas profissionais. Sorte a minha eu ter percebido, ao longo deste processo, que ao abrir mão de algumas coisas, podemos nos tornar o que não somos. Agora tomo o que é meu de volta: moro na escrita.