No silêncio ou na cozinha cheia

No silêncio ou na cozinha cheia

Cozinhar é um ato de conexão que assume diversas formas e atravessa os tempos culturais e familiares. Sempre que me desconectei da cozinha, seja por uma rotina avassaladora de trabalho, imprevistos da maternidade ou, como agora, que habito uma casa que ainda se ajeita para receber minha rotina, sinto falta. Uma falta que desdobra no meu corpo físico, na digestão, no sono, nas regras fisiológicas e biológicas em geral. Mas que também deixa em falta afetos diversos. O cheiro do alho na frigideira, o barulhinho da panela de pressão que amolece o feijão, o calor do forno que assa uma sobrecoxa de frango com cebola e cenoura. Minha tia Edna sempre está comigo nestes momentos, assim como a Dona Marta, que nos anos da minha infância fartava nossa mesa de refeição com pratos coloridos e deliciosos. Mas minha tia foi a primeira pessoa a me colocar sobre uma cadeira, diante da bancada da cozinha, e me ensinar a sovar e abrir a massa de farinha com a qual eu enrolaria pedaços de salsicha para serem fritos na hora do lanche da tarde. Foi com ela que comecei a entender que comida não vem pronta. Cada bolo ou pão, cada sopa, cada macarronada ou arroz com feijão que comemos trazem consigo a particularidade de quem os preparou. A cor do alho, a quantidade de cheiro verde, a escolha entre um óleo sem sabor ou um azeite frutado, o tempo em que a panela ficou tampada. O silêncio da solitude ou as conversas de uma cozinha cheia de gente. Quem cozinha troca receitas, mas o jeito de se praticar tem detalhes muito particulares. São estes detalhes que nos fazem gostar mais do feijão da nossa avó, da carne assada do nosso padrinho; do pão de uma amiga ou do bife acebolado de um amigo. Sempre colocamos um pouco de nós na comida que cozinhamos e este nosso pedaço se transforma em afeto para quem come, assim como o afeto que surge quando ensinamos ou aprendemos a cozinhar com alguém. Na época das festas de natal, quando começo a fazer o cuscuz que minha tia aprendeu com a sogra, reencontro as sensações daqueles jantares de família reunida. Não é igual, mas é quase. É uma alegria. Comida é afeto e memória. Cozinhar também. E isto me faz bem.