Pastel, tia

Pastel, tia

Quem gosta muito de algo nesta vida, sabe que têm coisas que são insubstituíveis. Quem gosta muito de mais de uma coisa, sabe que é possível substituir uma pela outra, embora o efeito de uma- sobre nosso humor, sobre nossas expectativas- não seja exatamente o mesmo que o da outra. Eu tenho angustiado a falta de abraços; de ser apertada a ponto de sentir o coração do outro bater no meu próprio peito. Uma, duas, três batidas. Uma inspiração profunda e … quatro, cinco, seis, sete. Abraço a gente dá de olhos fechados, mas depois que a gente solta, invariavelmente há uma troca de olhar- aqueles segundos de silêncio que completam o ato como que confirmando o que o abraço já disse. Há uma sensação de acolhimento que só um abraço apertado pode nos dar. Dia desses, numa tarde de garoa em que- apesar do calor- me sentia fria pelo cinza do céu e o barulho do vento lá fora, senti vontade de abraço. Não tinha como. Nestes tempos de distanciamento abraço a gente só dá em pensamento. Mas eu queria uma sensação próxima da do abraço. Deitei na rede, me pus a pensar em eventos, rotinas, viagens, procurando algo que me trouxesse um abraço. Lembrei de uma tarde da minha infância, num inverno frio de São Paulo, quando minha tia Zezé me levou à feira e, na volta, me perguntou “pastel ou churros ?”. Eu nunca tinha ouvido aquela palavra. Estranhei. “Pastel, tia”. Ela, divertida, me disse “churros não é churrasco. É doce e é uma delícia. Não me deu a opção de escolha e em alguns segundos eu estava com aquele bastão morno e crocante quebrando entre meus dentes. A saliva se multiplicando, meu coração acelerado, a blusa toda salpicada de açúcar e canela. Me lembrei, ainda, da tia me dizendo “Laurinha, pedi sem recheio porque ainda é de manhã, mas dá pra colocar doce de leite neste furinho do meio”. Neste momento deixei as memórias, voltei pra minha tarde cinza e corri buscar uma receita simples de churros. Nem uma hora depois eu estava com o coração acelerado enquanto quebrava um palito de churros crocante com os dentes e sentia o cheiro do café. Os olhos fechados, o peito sujo de açúcar e canela. A alma quentinha num abraço doce.