Nada melhor para ser aprendido, em tempos de quarentena e confinamento, que esperar e viver cada coisa na sua vez e no seu tempo. São coisas pequenas dentro de casa, mas que resumem como vivemos. E a rotina da gente é uma sucessão de pequenos atos que acontecem em intensidades e tempos variados. Passar o café e beber o café. Fazer o almoço e comer o almoço que nós mesmos preparamos; montar uma playlist para pedalar e pedalar ouvindo a playlist, escolher um filme na netflix e assistir o filme escolhido. Para alguns o prazer está mais no preparo que...
Amar é um verbo contundente
O amor é inexorável, necessário. Mas ele não é um sentimento para ser sentido espontaneamente, como se o fato de ele existir bastasse para ser partilhado. Não falo do amor que julgamos sentir pelo café, pelas viagens, por um bom pedaço de filé. Digo do amor de olhar para si. Aquele que é coragem, autocrítica. E que também exige olhar para o outro. Amar é um verbo contundente. É provavelmente a experiência que mais se conecta com nossa essência. O amor por nós mesmos se transforma ao longo de nossas vidas. Aprender a amar a si mesmo é o próprio...
Lagarteando
Dia desses uma amiga descobriu a expressão “de vez”. Ela foi comprar frutas pela internet e tinham as opções Verde, Madura ou De Vez. Intrigada, ela fez uma enquete, perguntou a vários amigos se eles sabiam o significado. Descobriu que muitos sabiam e, por fim, ficou sabendo que “de vez” é um adjetivo. Qualifica a fruta como “entre verde e madura”. Mas mais pro verde ou pro maduro? Difícil dar um sentido absoluto. Quando a gente dá um nome, uma qualidade ou explica em palavras, sempre tem uma parte que se perde, não tem? Por isto só nós mesmos podemos...
Meu braço, minha perna
Desde criança gostei de olhar minha pele, meu corpo. Sonhava em contar todos meus fios de cabelo; mas um dia meu pai segurou nas mãos o lindo rabo de cavalo que eu ostentava e disse “com esse tanto de cabelo dá pra segurar o bondinho do Pão de Açucar”. Desde aquele dia desisti de contar. Passei a me contentar em contar os fios que caem durante o banho. Faço até hoje. Colo um a um no azulejo úmido e depois de contar, começo a fazer formas variadas até embolar tudo antes de jogar no cesto. Na pele conto pintas, manchas,...
A trança no cabelo do meu filho
Dia desses, passeando pelas postagens de amigos, cheguei a um story que perguntou se eu sabia me apresentar aos outros sem falar com que trabalho. Eu gosto tanto deste tipo de provocação. Respondi prontamente. Contei que pratico essa resposta já faz alguns anos. Não foi fácil no começo e até hoje a reação das pessoas, ao me ouvir, surpreende. Normalmente insistem no “mas o que você faz?” No início eu acabava respondendo “sou Geógrafa”. A reação era espontânea: “você gosta de dar aula?” E eu: “Não sou professora”. E a pessoa não entendia e eu começava a explicar que existem...
Sem moedas, com moedas
Ontem, depois de receber um áudio das crianças da minha vizinha de prédio e ouví-lo incontáveis vezes, pensei: o que te tira de um sentimento genuíno de ansiedade triste para uma sensação genuína de alegria e leveza? É tão pouco… Um agradecimento, um olhar, um bilhete com duas ou três palavras, um pedaço de gelatina colorida (que rendeu o áudio). Relembro de um bilhete de que recebi do Flávio meu amigo e que até hoje trago guardado, colado em um dos meus diários. Comilão que era, me entregou um pedaço rasgado daquelas toalhas de papel onde ele tinha escrito “te...
O cigarro do Di Caprio
Ontem, procurando um documento numa conversa do whatsapp, me dei conta que estamos, eu e Fran, confinados desde o dia 17 de março. Na minha cabeça era dia 23. Tenho uma semana a mais- ou a menos- para minha conta. 88 dias. Tempo suficiente para eu passar por várias fases, por altos e baixos que normalmente já tenho mesmo quando minha amiga rua está disponível. Ao longo desses 88 dias sofri a morte de uma amiga, comecei a costurar pra fora quase que por acidente ✂️✂️, senti tanta vontade de fumar que acho que 90% do meu pensamento nesses 88...
Creo que pasaremos juntos temporales
Sobre ser mãe em tempos difíceis: desde que me tornei mãe, me tornei uma pessoa mais frágil. A maternidade me mostrou que ser mãe é um processo solitário. É como tomar uma decisão, quando pedimos opinião, ouvimos pessoas em quem confiamos darem seus seus pareceres, mas a aquele momento do sim ou não é nosso, solitário. A maternidade é solitária e me mostrou todas as minhas fragilidades. Não é que eu tenha me tornado fraca. Não me tornei. Me tornei mais forte. Muito mais. E muito mais cansada. Porque força depende de uma energia absurda, uma espécie de estrutura psicológica...
Rotina e saudade
Com a reclusão e a espera do desconhecido das últimas semanas, assumi a responsabilidade de preencher meus dias com muitas atividades: escrever no papel, onde descarrego angústias; pedalar para suar e extravasar a pressa que tenho para tudo; usar as receitas mais demoradas das comidas que mais gosto para não voltar a fumar, fazer um pouco de cada coisa que gosto para me divertir e deixar a alma voar um pouco por aí (happy hour, memes nas redes, violão, máquina de costura, zap zap zap, consertar torneira, dar um up na bike, fazer comida pros vizinhos). Essas coisas todas salvam...
Alguém vai sentir saudades da Giulia
Escrever faz bem. Pra alma, pra mente, pro pensamento da gente. Ler, também. É um jeito de manter trocas com o outro, uma conversa silenciosa. Sempre procuro andar por ai olhando para o que as pessoas registram pelas ruas. Desenhos, poesias, advertências, avisos, desabafos, bilhetes de amor. Quando me perguntam porque chamo aquelas trocas de “coisinhas da vida”, sempre digo que coisinhas da vida é o olhar delicado que podemos dedicar à nossa rotina, nossos trajetos. É bom dia, espanto, aquela risada que rimos em silêncio, uma emoção ínfima. É uma conexão que eu, pessoalmente, preciso ter com o mundo....