Sem moedas, com moedas

Sem moedas, com moedas

Ontem, depois de receber um áudio das crianças da minha vizinha de prédio e ouví-lo incontáveis vezes, pensei: o que te tira de um sentimento genuíno de ansiedade triste para uma sensação genuína de alegria e leveza? É tão pouco… Um agradecimento, um olhar, um bilhete com duas ou três palavras, um pedaço de gelatina colorida (que rendeu o áudio). Relembro de um bilhete de  que recebi do Flávio meu amigo e que até hoje trago guardado, colado em um dos meus diários. Comilão que era, me entregou um pedaço rasgado daquelas toalhas de papel onde ele tinha escrito “te amo tanto que nem janto”. A passagem de um humor triste para um sentimento alegre é um tipo de elixir. Estufa a alma. Quando eu cresci, em algum momento da vida, enfiei na minha cabeça que queria momentos assim, de leveza, toda vez que a tristeza insistisse. Passei a observar tudo quanto é tipo de bilhetes, avisos, rabiscos que cruzam meu caminho. As tarefas da vida adulta dificultam que a gente tenha tanto contato com pessoas e situações como aquelas desocupadas e despreocupadas da adolescência e da infância. Procurei um recurso, que foi observar estas coisas aleatórias anotadas, coladas em paredes. Dei o nome de coisinhas e o tempo todo trombo com estas coisinhas por aí e me alegro com elas. Em tempos de pandemia, sem sair de casa e sem chance de movimentos inesperados pela rua, me apego às postagens dos outros, às mensagens de amigos, às cenas de filmes e séries, às atividades escolares do meu filho. Me alegro toda vez que vejo os stories de uma amiga onde volta e meia aparece o punho dela abraçado por pulseiras coloridas. Acho fofo, otimista, uma lindeza singela. Me alegro quando recebo aquelas mensagens de “esta música me lembrou você” ou “como mesmo que faz aquela massinha de panqueca que comi aí e adorei?”. Me alegro de ver meu filho falando pro professor “mas é que eu gosto de ser reclamão porque quem reclama é otimista, imagina que as coisas tem que melhorar”- bem Fernanda Young. Se alegrar com essas coisinhas nos conecta com nossa rotina. E é maravilhoso. Porque se a gente não repele a tristeza, ela engole a gente. Já fui engolida pela tristeza. Custou pra conseguir sair. Foi naquela época em que cheguei na vida adulta. Agora a tristeza só me ronda. Como tem que ser, né? Porque a realidade é cheia de coisas tristes. Temos que olhar pra elas. Mas não significa que temos que ser tristes também.